terça-feira, 25 de outubro de 2011

Muito é tão pouco

Te sentava na cadeira, te experimentava. Sentia teu cheiro e tentava descobrir do que era. Amêndoas, nozes, tempero, cheiro verde. Te sentava e te beijava, te sentia o gosto. Comparava com sorvete, com cerveja, com o bolo da doceria da esquina. Te sentava na cadeira, te cheirava, machucava seu pescoço. Sentia o cheiro do sangue, do intenso, do incenso. Do gato da vizinha, do meu shampoo, da sua jaqueta de couro. Te provava e sentia o gosto do café de mais cedo, do macarrão que viria e dos comentários sobre o filme. Sentia o cheiro do vento, via as cores do sol poente e te via no espelho.
Tão lindo.
Mas era tão curto. E durava noites inteiras, chuvas inteiras, dias nublados. Finais de semana, inícios, meios. Até onde a gente conseguia contar, até meu livro acabar, até o filme começar. Mas era curto. Era sempre pouco. Sempre vai ser efêmero.
E é mais que o suficiente.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Segunda Feira

Final de uma tarde esquisita. Ventava forte, o sol brilhava fraquinho, como se não quisesse estar lá, por cansaço mesmo. Horário de verão, ainda eram 18h. Ouvia folk alto, e andava enquanto dançava ou dançava enquanto andava. Não sabia bem a diferença. Rodopiava de um lado para o outro, com os cabelos soltos e sujos. A leveza do ser era aquilo, ela achava. Pés descalços, coração no lugar, feriado no dia. Cantavam liberdade, amor, mar, e parecia fácil, certo, real. Tocaram a campainha, ela parou subitamente. Não esperava ninguém, não haviam ligado, ninguém tinha dito nada. Se recompôs, e olhou pelo olho mágico.
De tão mágico, o viu parado, encarando os sapatos. De tão mágico, o viu mordendo o lábio, olhando pro lado. De tão mágico o viu e abriu a porta. De tão mágico, disse que tinha trago sorvete e aquele filme do Godard, foi entrando, agarrando e elogiando.
De tão mágico, se fez real, se fez único, se fez próprio.
De tão mágico, se fez eterno.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Com afeto

Pode esquecer tudo por aqui. Seu secador preto, seu sapato de salto alto, sue vestido florido. Pode se esquecer por aqui. Na xícara de café, no sofá, na varanda. Pode aparecer sem avisar. Durante a manhã, a tarde, a madrugada. Pode trazer uma samambaia pra cuidar, um gatinho branco, um aquário. Pode trazer seus livros, o notebook, as revistas de moda. Os cremes de pele, de cabelo. Os discos de cantoras com vozes doces, e até os do Bob Dylan. Traga seus filmes, suas histórias, seus sorrisos. Seus amigos, sua irmã, seus pais.
Esqueça-me. Cante pra mim. Só não se esqueça de nós.