Ele tocava violão enquanto a garota loira dava uma olhada em seus desenhos. Nunca dizia nada, só ia passando, passando, passando... e ele lá, tocando Chico Buarque. Quer café? Ela disse que só tomava chá, então ele se sentiu obrigado a se desculpar, disse que não tinha chá, já que não tomava. Ela sorriu e ele foi pra cozinha. No meio do caminho, parou pra acariciar o cachorro e tirá-lo do sofá. Estava todo babado e seria terrível pra limpar depois.
Ela saltou ao perceber. Ele estava só de cueca samba canção, com um aspecto cansado e cabelos bagunçados. Tem visita? Que bom. Cansou de ouvir o vizinho bater com a vassoura na parede e foi abaixar o som. Aproveitou e mudou para Chico Buarque, e sentiu que deveria pintar algo.
O cansaço o impedia de fazer as coisas direito, então derrubou pó de café no chão, açúcar na pia... um desastre. Se irritou e sentou em uma das cadeiras da mesinha pra dois, e ouviu os passos da garota loira. Agora vestida, ela dizia algo que ele não compreendeu direito por causa do sotaque, mas percebeu que ela estava indo embora. Levou-a até a porta e a abraçou. Esperou que isso fosse o suficiente, não queria falar nada. Foi até a varanda, acendeu um daqueles cigarros de cereja que a garota da semana passada tinha esquecido e ficou encarando o prédio cinza... Percebeu que era primavera, enquanto pensava que Cecília Meireles estava certa.