terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sick Blues

A cama permanecia bagunçada, permanecia com o lado esquerdo vazio, sozinho, meio melancólico. Eu olhava pra ele de relance ao entrar no quarto pra trocar de roupa e meus olhos se enchiam, quase que instantaneamente, de lágrimas. Eu fazia o máximo para não olhar. Cada centímetro, cada átomo que constituía aquela cama, aquele quarto, aquele apartamento, estava cheio de você. Eu passava o máximo possível fora de lá, bem longe do seu cheiro, do seu ego, que ainda infestavam meu apartamento. Os pingos começavam a cair quando olhei pra frente. Parei instantaneamente. Tudo parou. Menos você. Continuou vindo e vindo e vindo até que chegou. Bom te ver. Silêncio. Queria saber como estava. Silêncio. Estava indo te visitar. Silêncio. Senti. Os dedos gelados e longos me puxaram pra perto, os braços envolveram docemente meu corpo e eu poderia jurar que tudo ao redor desmoronou. Pensei, em certo momento, que poderíamos nos unir em um corpo só. Você me soltou. Tudo se tornou sólido novamente. Não precisa ser assim, pequena. Eu só te olhava. Ficava ali, com os dentes cerrados, os olhos encharcados e os pêlos arrepiados. Era como se eu tivesse ficado muda. Pensava em tudo, mas não havia voz, não consegui me movimentar. Movimentar meus lábios, minha língua. Você me deu um beijo na testa. Espero que você melhore, ou que ao menos consiga me abraçar de volta. Um dia venho te visitar. Saiu. Devo ter ficado parada por mais três minutos enquanto as pessoas corriam para se salvar da chuva. Andei lentamente até o prédio verde. Subi alguns degraus. Coloquei a chave na fechadura, girei, sentei no sofá azul e esperei.
Ainda estou esperando.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Sweet Cloud

Os seus cachos estavam bagunçados, anormalmente entrelaçados entre si, os meus dedos não conseguiam sair de lá. Você ria e dizia que pentear o cabelo era perda de tempo, enquanto eu beijava suas bochechas pálidas, sua boca suplicante e seus olhos café. Você levantava e saia do quarto, enquanto eu ficava lá, vendo você até onde você não estava. Eu fechava os olhos, virava, dormia novamente. Você puxava as cobertas e dizia que eu estava atrasada, que você mesmo estava atrasado e me pedia para fazer panquecas. Eu fazia uma careta, levantava e dizia "estou atrasada, vá comer na padaria". Você sorria e me mostrava o relógio. 6h. Eu te dava alguns tapas e você me agarrava pela cintura e me dava um beijo matinal. O beijo matinal. Me atirava de volta na cama e pegava alguma camiseta das milhares amontoadas no guarda roupa e saia do quarto batendo pelas paredes, sempre vestido com seu jeans preferido, com meu jeans preferido. Eu ficava parada te vendo até onde você não estava. Levantava calmamente, te pegava desprevinido, colocava minhas mãos quentes sobre seus olhos café e perguntava quem era. "Lady Gaga", você dizia, com aquela voz doce, que estava constantemente falando sobre o quão boba e louca-por-você-até-fim-do-mundo eu era. Eu só sorria. Não ousava negar. Não poderia negar. Não sabia como negar. Colocava o meu vinil do Rolling Stone e cantava, ou melhor, gritava, enquanto você bebia café e lia o jornal. Eu rodava com os olhos fechados, esbarrando nos móveis e caindo, enquanto você se engasgava com o café por rir de mim. Ia até lá, se deitava ao meu lado no chão e me dava um beijo. O beijo. Levantava e saia andando em direção a porta com seu all star vermelho sangue. Os seus passos faziam um som torturante no piso de madeira. Sons de adeus. Saia sem olhar pra mim, batendo a porta, enquanto eu ficava lá, boboca e patética, te vendo onde você não estava. De repente você voltava com uma cara preocupada, abria a porta e exclamava um lindo e maravilhoso "eu te amo" e saia batendo a porta.

Enquanto eu ficava lá, te vendo até onde você não estava.

domingo, 1 de novembro de 2009

Tecnicolor

Ela vivia com aquela filmadora apontada para os cabelos cacheados dele. Ele, sempre com muita vergonha, ficava vermelho rapidamente e cobria o rosto com as mãos, ou uma almofada, ou, por vezes, com o gato que passeava inocentemente pela casa. Ele viva com o violão na mão escrevendo músicas e tocando, tocando, tocando, enquanto ela reclamava e o mandava morar com o violão. Ele dava uma risada gostosa, deitava o violão com todo o cuidado na mesa e corria até ela. Abraçava-a, beijava-a e cantava para ela, fazendo ela rir e sorrir e adorá-lo cada vez mais. Vez em quando ela estava dormindo e ele pegava o violão e começava a tocar Baby. Ela acordava meio desnorteada e jogava um travesseiro nele. Ela ria, ele sorria e de repente paravam e ficavam olhando um para o outro. Só olhando. Do me a favour, look at me closer. Vez em quando ele saia para fazer os pequenos shows rotineiros enquanto ela ficava no escuro com os cigarros, a fumaça, o gato e os vinis, escrevendo um novo roteiro, olhando pela janela, até que ele chegava tarde da noite e batia na porta, fazendo um som diferente, fazendo o som que o coração dele fazia ao vê-la.
Só ao vê-la.